quinta-feira, 3 de junho de 2010

Tinha estado morando em São Paulo nos últimos dois anos. Estive fazendo minha parte final do meu doutorado na USP e sentia muita falta dessa ilha desgraçado e dos meus amigos. Por isso, nessa chuvosa noite de junho decidi sair um pouco da minha rotina baseada em obras Carpentier e Borges para queimar um pouco meus neurônios de outra forma.

Nessa época me lembro que o lugar de moda na Lagoa era um pub chamado Spectro, erguido no que um dia tinha sido o saudoso Underground Rock Bar. Nesse tal de Spectro ia tocar uma banda de Rock Alternativo britânico que um antigo amigo estava organizando uma turnê no Brasil e certamente a casa de shows estaría cheia de amigos de longa data de Desterro City. Sendo assim, não precisava comentar para ninguém que tinha voltado fixamente à cidade, eles certamente iam acabar me esbarrando por lá.

Tinha voltado a praticar esporte regularmente. Meu esporte era quase de atleta de alto rendimento. Conseguia realizar por volta de 5 "carreiras" por noite com diferença de apenas 2 horas. Com esse tempo, se existisse as olimpíadas dos dependentes químicos, tería me classificado para às finais tranquilamente. Mas era minha vida e gostava de assumir os riscos do que ela me proporcionava.

Por um acaso do destino levantei da mesa e da companhia da elite socialista do DCE da Universidade Federal de Santa Catarina e me dirigi ao banheiro. Estávamos uma espécie de "VIP" que consistia numa sala parecida com uma sala da Estar. Na verdade, o Patrick (dono da Spectro e amigo de longa data) sabia de nosso fanatismo assíduo por drogas químicas e tinha deixado essa salinha para quem quisesse usar qualquer coisa, não assustar o restante da clientela júnior. Afinal, o bar era frequentado pelos filhos da classe média. Muitos deles ainda não tinham sequer egressado do Colégio Catarinense ou do Tendência. Muitos deles não tinham lido nada sobre Leon Tolsói e o mais perto que tinham chegado de uma biblioteca era talvez para fumar um baseado. Lamentável. Mas talvez isso era o resultado de uma sociedade hipócrita e mesquinha.

Estava saindo do banheiro e o som mecânico começava os primeiros acordes de Me Gustas tu de Manu Chão. Sentí uma vontade involuntária de chorar pois essa música pertencia a um passado tão longínquo que parecía outra vida. Me lembrava dos meus 21 anos e de uma vida onde tudo ainda fazia sentido racional.

Decidi juntar minhas moedas e sair para comprar um maço de cigarros quando acabar esbarrando num rosto que não me pareceu desconhecido, embora não conseguisse lembrar do nome da menina.

Olhos marrons grandes, pele morena, cabelos escuros e corpo escultural. Fazendo uma rápida pesquisa no meu cérebro consegui lembrar da onde conhecia ela. Campus da Universidade Federal de Santa Catarina, pelo menos 4 anos atrás. Projeto meio-dia e trinta. Manifestações. Festas da UFSC. Não tinha como esquecer o olhar forte e determinante que essa menina possuía e que agora estava mostrando diretamente para mim. Ela abriu um sorriso e disse:

- Oi Frederico, achei que estavas morando em São Paulo ainda.

Merda, qual o nome dela? Lembro-me que era um nome curto, tínhamos vários amigos em comuns embora nossa idade fosse gradativamente diferente. Caralho, vamos, pensa um pouco mais, não é tão dificil. Lembro que uma vez até nos encontramos na manifestação contra o aumento da tarifa e os pais a tinham censurado. Isso primeiramente tinha me causado graça e depois admiração pela curta idade dela. LEMBREI, ORI!

- Olá Ori - abraçei ela e senti um cheiro muito agradável impregnar minhas narinas. - O que tem feito?

- Ai Frederico, tu não muda nunca. Meu nome é MOLI.

Bom, tinha sido quase. Nós sentamos numa mesa e ela me contou um pouco da sua vida. Tinha iniciado seus estudos em Desing Gráfico na Universade Federal e estava voltando de um intercâmbio na França.

- Ne jamais oublier son regard. Falei num francês muito enferrujado, que tinha aprimorado somente para entender melhor as obras de Baudelaire.

Ela sorriu e respondeu:

- Je ne pouvais m'empêcher de vous rappeler la marche à travers l'université pleine de livres. Tu as toujours été tellement mignon pour moi.

Demorei alguns segundos em traduzir o que ela tinha me dito. Sorri e a convidei para entrar na sala onde eu me encontrava com meus amigos. Ela acabou aceitando, mas isso não impedia que ela ficasse encabulada.

Dentro dessa sala, ela acabou experimentando sensações proibidas que nunca ela tinha imaginado. Não me sinto culpado. Cada um tem seus pensamentos e sua filosofia de vida. Querer fugir da realidade do mundo me pareceu um argumento pouco forte, porém respeitei ele.

Pouco tempo depois, acabamos juntos. Foram os melhores momentos da minha vida. Depois de quase 6 meses, fui chamado para dar aula na Universidade Nacional de Brasília e decidimos acabar tudo. Nunca mais consegui encarar seu olhar determinante. Certamente, era sua arma mais poderosa que ela tinha.

2 comentários:

  1. Esqueceu de falar que a garota também tinha uma queda por Ciências Sociais, haha. Brincadeira. Belo texto!

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  2. hahaha, isso fica para outra história.

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